Rua da Trindade em 1939

1939 – UMA COROAÇÃO DO TEMPO DO TIO ANTÓNIO MIÁ-ÔFA, EM ÁGUA DE PAU

Rua da Trindade em 1939
Rua da Trindade em 1939

Desde que me lembro e ouvi contar, as Festas do Divino Espirito Santo na minha terra sempre foram levadas muito a sério com temor e compaixão, porque muitas vezes as insígnias (coroa e bandeira) iam parar a casas de gente muito pobre, mas de fé muito fervorosa!

Ainda era eu criança quando ouvia nas noites do Império de S. João da Praça, o Tio António “Limbique” (funcionário do Alambique em 1965) chamar ao palanque da festa gente bem pobre para tirar sortes, e levar consigo a sua dominga para casa.

Às vezes “não havia ni-nuns” como ele dizia, brincando, ou seja não saía sorte nenhuma e neste caso não levavam uma dominga com direito a permanecer a coroa e a bandeira do Espirito Santo durante uma semana na sua casa.

Vem esta conversa à história desta foto de 1939 que remonta por isso a tempos mais antigos ainda dos que atrás falo. Esta é a coroação do Divino Espirito Santo do tio António Miá-ôfa de Agua de Pau, em S. Miguel, que vemos a subir a rua antiga da Trindade que terminava no canto da casa do senhor José de Almeida da Vanda (hoje da filha Zélia e José Carlos das motas).
Tal como podemos verificar, a antiga rua não curvava como agora a seguir à Cova da Onça em direcção à rua da Vila Nova. Seguia em frente, com casas em banda contínua até ao canto que vemos nesta foto. Pode ver-se também, a antiga valeta em pedra da rua da Trindade em terra batida, enquanto a coroação segue o seu trajecto em cortejo, direcção à igreja da Senhora dos Anjos, ainda do tempo da primitiva imagem das mãos postas.

A confirmar a antiguidade desta foto verificamos que ainda não tinham construído a água-furtada, no telhado, por cima da casa da Tia Maria Silvina ou da sua filha Maria do Carmo Castanha, última moradora na mesma. Referimo-nos à bonita água-furtada que esta casa ainda hoje apresenta, da autoria do mestre-carpinteiro Artur da Costa Branco, mais conhecido nesta vila por Artur Velhinho.

Sabem, o tio António Miá-ôfa vivia de “mandados de homes e recados de senhára”, como ele dizia. No entanto a sua devoção ao Divino Espirito Santo era muito grande e por isso conseguiu reunir um grupo de pessoas que o ajudaram também a realizar o seu sonho. Mas, ele limpara chaminés, despejara estrumeiras, rapou-e-lavou “chiqueiros-de-porco” com fartura, acartou água de quase todos os fontanários para tanta mulher que não deu com a conta. Isso tudo somado às vénias de agradecimento e às vezes que tirou a barreta e a devolveu à nuca, foi um caso muito sério…um cansaço medonho!…Mas tudo isso fez em louvor do Divino Espírito Santo e lá teve a sua coroação e o Divino Espírito Santo em casa por uma semana.

Roberto Medeiros
Roberto Medeiros

“A fé é que nos salva”, costumava dizer o tio António Miá-ôfa, já velhinho, sentado num dos bancos da Praça Nova, construída nos quintais, do último carreiro de casas da antiga rua da Trindade depois da demolição das mesmas em 1948. Persignava-se assim que via passar uma coroação do Divino Espirito Santo… murmurando palavras sem nexo para nós, porque para ele, tinham e faziam muito sentido, já se sabe e bem entendido!