Sidónio Bettencourt – O Senhor da rádio e da televisão

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Nasceu em S. Miguel, na freguesia dos Arrifes, mas foi na ilha do Pico que passou a sua infância e algumas fases da sua adolescência, e pelo casamento ficou associado à ilha montanha, onde a família sempre passou férias. Os pais também eram nados e criados no Pico. Falamos claro de Sidónio Bettencourt, um grande Senhor da informação e da comunicação em Portugal mas também conhecido pelo seu lado poético, com várias obras publicadas. Mas é a partir dos Açores que faz os seus programas para o mundo. Através da RTP Internacional leva o programa “Atlântida” a todos os pontos do globo e à casa de cada emigrante onde se fala português, só que pelas belas imagens das ilhas, dos trajes folclóricos…são muitos os estrangeiros, da Alemanha, da França, da Holanda, e de outros países, que lhe elogiam o trabalho.

Certo é que cada emigrante da primeira geração sabe o seu nome mas os seus descendentes também porque é a partir do programa que conhecem, muitos deles, as tradições, a paisagem e a cultura da terra dos seus pais e avós. É também ele que “mata saudades” a muitos açorianos, alguns dos quais desde que partiram nunca mais voltaram, e outros há que só de anos a anos é que cá vêm. As festas, nomeadamente o Senhor Santo Cristo dos Milagres, cuja devoção é muito grande, é com Sidónio Bettencourt que as comunidades, todos os anos, assistem às festividades, religiosas e profanas. Com o “Atlântida” a festa vive-se em direto no sábado do Senhor e as chamadas são mais que muitas. Há lágrimas, há emoção. Mas outras festas também são levadas ao coração de cada açoriano espalhado pelo mundo, sendo que Europa e América do Norte são e maior número.

Os açorianos aqui e além sentem a falta do cheiro e da cultura da sua terra. Assim sendo, Sidónio já esteve nos EUA, Canadá, Brasil e, dentre em breve, sem data voltará a estar com as comunidades. Já foi convidado para estar nas Grandes Festas do Espírito Santo mas não vai porque coincide com as Festas do Pico. Em todos os países da emigração, onde há açorianos, levou a voz dos Açores mais longe e fez amigos – “amigos para a vida” -, como fez questão de referir à “A Praça – magazine”, numa conversa em que passou em revista os momentos dos quarenta anos da sua carreira.

Primeiro foi jornalista e esteve nos grandes palcos onde a notícia existia. Como enviado especial da rádio pública portuguesa esteve no Canadá e nos EUA. Por quatro anos dedicou-se à Politica. Como independente pelo PSD-Açores foi deputado à Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Enquanto parlamentar abraçou não só as causas políticas mas também as causas sociais e culturais.

De regresso à Antena 1- Açores deixa a informação e passa para a produção. Chegou a subdiretor de Conteúdos da Rádio e da Televisão pública nos Açores. Agora, todos os dias, dá vida ao “Interilhas” onde liga Santa Maria ao Corvo, não descurando a agenda informativa e cultural de cada ilha. Passa a manhã à conversa com vários agentes da sociedade açoriana, ouve os problemas das organizações e toma “um cafezinho” radiofónico, ao longo dos meses, com centenas de pessoas, [açorianos, continentais e emigrantes], que ao telefone e/ou em estúdio, dão conta do que se faz nos Açores nas várias áreas de atividade, bem como além-fronteiras.

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Na base de ser jornalista, ser comunicador, ser divulgador cultural, diz Sidónio Bettencourt, está o facto “de gostar das ilhas e de onde eu venho. Eu venho de uma origem do Pico. Passei todas as dificuldades desta ilha, dos isolamentos, de ver gente partir para América e para o Canadá para fugir à guerra d’ África. O meu pai era militar e esteve na guerra [Capitão do Exército] e desde criança percebi a necessidade de sair da ilha para ter melhores condições, numa altura e que a luz elétrica fechava cedo – durante a noite não tínhamos luz -, o barco atracava de 15 em 15 dias. Estou a falar dos anos 60 do século passado. Como vivi também no continente, na altura dos talk – shows de Raul Solnado, de Carlos Cruz e de Fialho Gouveia, isso fascinou-me para a descoberta do interior, porque eles levavam lá figuras do interior (Beira Baixa, Beira Alta…) que eu não conhecia e isso fascinava-me. Eles davam a conhecer grandes figuras da intelectualidade. E eu percebi que, através da comunicação, nós podíamos ser um veículo para demonstrar que o povo não é só a cidade, não é só as elites, não é só o poder político… Há artistas, há valores.

Com a necessidade de fazer o “Atlântida”, há muitos anos, percebi como uma freguesia dá um programa. Quando chegamos a primeira impressão é de que não há nada, mas a verdade é que em cada freguesia há imensas figuras importantes. Por exemplo só para citar algumas, chegamos à Ribeira Chã e temos o Padre Flores, o Cardeal Costa Nunes, nos Arrifes temos o Cardeal Medeiros e o Eduíno de Jesus, na Lagoa o Dr. Carreiro da Costa… Quando começamos a investigar, porque tenho amor à História e à Geografia, e como tenho acesso à comunicação, e porque tive pessoas que me sensibilizaram para a importância dos livros, faça disso uma forma de estudo. Cada freguesia, cada programa é penetrar na história.

Filarmónicas são a história do povo açoriano
As filarmónicas, mais do que tocarem bem ou mal, cada uma por si, é a história do povo açoriano e da política açoriana. Quem as formou, porque as formaram… E quando vamos à procura verificamos que vem do canto, do cancioneiro. O ato cultural está espelhado neste povo e o “Atlântida” foi à procura das freguesias. Em cada uma percebemos que há muita gente que está longe, empresários de sucesso no Canadá e na América, homens e mulheres que ajudam as comunidades sem sabermos. Portanto, esta relação entre ilhas, em cada localidade, para mim são um mundo, pois embora sejamos uma região administrativa, com unidade, cada ilha tem identidades, as quais são transportadas para a América, para Canadá”.

Basta lembrar, diz Sidónio Bettencourt, que “quando chegamos à Califórnia sentimos mais São Jorge e Terceira, chegamos a Fall River sentimos São Miguel… Esta gente vive com saudade. Eu sinto-me um pouco no dever de levar até elas os Açores, até porque vivi sempre com os meus avós e eles nunca saíram do Pico. Tive também um avô baleeiro, que viveu 10 anos na Califórnia e nunca foi a Lisboa. Trabalhou nos caminhos-de-ferro de São Francisco da Califórnia. Quando D. Carlos morreu ele chorou. Quando nos encontrávamos na minha juventude ele só me falava na América. Ele não sabia o que era Lisboa e morreu aos 95 anos sem o saber. Portanto, isso para dizer que a nossa relação com a América é muito forte desde casa. Era a roupa da América, as cartas da América… Eu quis sempre desvendar o que ia para além da ponta da ilha. Os barcos dos turistas, que agora encostam em Ponta Delgada, passavam ao largo e eu ficava fascinado em pequeno a tentar perceber como eles desapareciam no horizonte. Eu queria saber o que era a América, terra onde foram os meus primos foram para fugir à guerra e deles só sabíamos pelos postais no Natal.

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O nosso entrevistado conta-nos que o seu sonho foi sempre “o de buscar a essência, as pessoas e perceber como vivem este tempo sozinhos. Há gente que vem aos Açores várias vezes ao ano mas há muita gente que não vem aos Açores há anos e quando eu chego e pergunto a senhora de onde é, há quanto tempo não vai lá, ela olha para mim e não me vê a mim mas sim o Senhor Santo Cristo, porque é a imagem que eu levo. Sou eu que levo no “Atlântida” a imagem do Santo Cristo fora do adro e ela chora, porque eu estou a dar o que eles querem porque não vêm presencialmente há anos e sentem que se eu não estiver ali – e pode ser um colega meu – é diferente, porque eu é que lhes levo a alegria e o matar da saudade”.

Sidónio Bettencourt admite ter “um grande apreço por esta gente. Depois contam-me coisas dos filhos que entretanto casaram, dos netos que estão noutras cidades, do jogar às cartas nos centros de convívio como temos aqui em Água de Pau, na Madalena, nas Lajes do Pico… Os centros de terceira idade também os há em Toronto, em Fall River… Mas os filhos já casaram, às vezes com estrangeiros, e o sonho dessas pessoas é de voltar à ilha e morrer no seu lugar mas não têm hipóteses de vir porque cá já não têm parentes.

Nélia Câmara
Nélia Câmara

Por isso, eu sinto que sou um pouco essa ligação que o faz até acreditar que podem andar cá e lá, a até tenho conseguido isso, porque é o melhor que os pode acontecer. É estar á esperar para vir a S. Miguel, comer o cozido das Furnas, matar saudades dos familiares, e quando a saudade dos filhos e dos netos apertam voltarem para trás. Isso é como uma pedagogia. Por exemplo, quando eu levo uma morcela, um ananás ao Atlântico e digo que estamos a pensar neles eles sentem-se cá. O “Atlântida” é um programa feito cá dentro mas para fora das ilhas. É um programa que mostra o que de melhor se az nas ilhas, as ruas novas, os novos valores, as mudanças na freguesia mas também se leva o folclore, o artesanato, as nossas raízes”, remata o comunicador, que faz a ponte entre as várias gerações num programa que é o rosto das ilhas para o mundo.