COMUNIDADE PORTUGUESA NA CALIFÓRNIA À BUSCA DE IDENTIDADE

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Fachada da centenária Igreja Nacional Portuguesa das Cinco Chagas de San José, monumento de grandiosidade e beleza assinaláveis, ex-libris da presença portuguesa na Califórnia.

O estabelecimento da comunidade portuguesa na Califórnia situa-se historicamente no contexto da descoberta do ouro, em meados do século
XIX. Muitos desses pioneiros, chegaram a San Francisco a bordo das barcas baleeiras americanas que frequentemente os “recrutavam” nos Açores desde a segunda metade do século XVIII. Gradualmente os números aumentaram e, há mais de 150 anos que a comunidade portuguesa da Califórnia, inicialmente abandonada a si própria por motivos vários, foi forçada a adotar uma postura de sobrevivência, empreendedorismo e auto-suficiência.

Na final do século XIX, e para colmatar as necessidades dos mais desafortunados, a comunidade organizou as sociedades de socorros mútuos em San Francisco, Oakland, San Leandro e Santa Clara. Hoje transformadas em sociedades de seguros, estas instituições continuam a desempenhar um papel fundamental nas áreas recreativa e cultural das comunidades lusas deste estado.

Logo após a estabilização das suas vidas, os imigrantes portugueses — maioritariamente açorianos — deram expressão à sua religiosidade através da sua devoção ao Espírito Santo, fundando irmandades e construindo salões que ponteiam o mapa de todo o estado, onde quer que se encontre uma pequena comunidade. Aí celebraram os seus sucessos e a sua fé.

Desde o final do século XIX construíram várias igrejas nacionais portuguesas, fundaram escolas portuguesas, ligaram-se uns aos outros através de jornais e da rádio — o fermento da sua identidade —, estabeleceram-se por conta própria na agricultura e agropecuária e, na generalidade, prosperaram economicamente. Concorreram a cargos políticos que desempenharam com dignidade e distinção. Organizaram-se e tornaram-se parte integrante da sociedade de acolhimento.

O período entre os anos 30 e 60 do século passado foi de grande convulsão e mudanças para uma comunidade que até então usufruía de considerável sucesso, tendo sido confrontada com as implicações da Grande Depressão, a Segunda Guerra Mundial e uma política de emigração americana que praticamente neutralizou a chegada de emigração portuguesa à Califórnia. Apesar de tudo, a comunicação social, o fraternalismo e as associações religiosas conseguiram manter vivas a cultura, tradições e valores lusos. Neste período, foi notória e inevitável a aceleração do processo de integração (americanização) da comunidade.

Se até então, o epicentro da atividade comunitária se desenrolava na área de Oakland e San Leandro, na segunda metade do século passado, ocorreram mudanças demográficas significativas e um ressurgimento da vida associativa comunitária com uma preponderância mais notória dos núcleos comunitários do vale de San Joaquim e do sul da baía de San Francisco, na área de San José e Santa Clara.

No final da década de 50 e seguinte, a exceção feita aos sinistrados do vulcão dos Capelinhos e as mudanças da lei de emigração americana, alargou o caudal da forte onda de emigração denominada pós-Capelinhos. Famílias inteiras chegavam ao vale de Santa Clara, mais tarde apelidado de Silicon Valley. É calculado que cerca de 40% dos emigrantes desta vaga de emigração tinham idades compreendidas entre os 14 e 40 anos de idade e, na sua maioria, com escolaridade elementar completa. Tornou-se, portanto inevitável o impacto, na comunidade existente, da energia desta gente ansiosa por condições de vida mais dignas e à busca da sua realização pessoal. De igual modo, o envolvimento desta geração de emigrantes revitalizaria de forma drástica a vida associativa comunitária, como resposta às suas necessidades imediatas e interesses.

Apoiados pelos que já cá residiam e dedicada à bem remunerada construção civil, ao comércio e à nova industria electrónica que dava os seus primeiros passos no Silicon Valley, a nova comunidade rapidamente mostrou sinais de grande vitalidade e estabilidade.

Tour-Azores-new-2-7Floresceram neste período o empresariado e os pequenos comércios voltados para o serviço comunitário, desde agencias de imobiliária e seguros, fotógrafos, restaurantes, relojoarias, lojas de pronto a vestir, sapatarias, etc. A avenida Alum Rock em San José passava a denominar-se Little Portugal.

Neste período despontam novas associações desportivas, sociais, culturais, cívicas que dariam uma nova imagem à comunidade portuguesa e preservariam a sua histórica presença na costa do Pacífico dos Estados Unidos.

Tudo isto ou quase tudo levado a cabo graças ao voluntariado, dedicação, carolice e generosidade de ilustres membros desta comunidade que labuta e estrebucha com determinação por estas bandas há cerca de século e meio.

O novo milénio trouxe outros desafios e a emigração pós-Capelinhos envelheceu, reformou-se, cansou, ou morreu. O Little Portugal apenas o é por referência ao passado; a construção civil não é a ocupação primordial das novas gerações com cursos superiores e agora fazem parte dos quadros das grandes multinacionais americanas. As associações debatem-se com dificuldade de manutenção e de preservação do seu rico património. Os filhos dos emigrantes são americanos de ascendência lusa, com necessidades e interesses completamente diferentes dos de seus pais. Pela frente surge uma nova identidade comunitária, que ninguém ainda parece ter sido capaz de definir. Apenas sabemos que será diferente do protótipo a que fomos habituados. Os paradigmas terão de ser alterados.

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Tony Goulart

Enquanto procuramos respostas, será que os pilares tradicionais desta comunidade: as sociedades de socorros mútuos, as igrejas, as sociedades do Espírito Santo, as associações comunitárias, o empresariado, os média, e os líderes comunitários serão capazes de dar uma resposta cabal aos desafios com que nos deparamos?

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